Entrando
no mundo dos quadrinhos
Há mais ou menos umas três semanas, postei um vídeo no
Youtube pedindo ajuda para começar a ler quadrinhos. Dentre as muitas
indicações, uma das que mais se destacou foi “Persépolis”, HQ em formato de autobiografia composta por uma
iraniana sobre suas experiências com os golpes fundamentalistas e repressivos
em questão de religião e liberdade de expressão.
Muito desse tema tem se discutido na mídia, nas escolas e
não poderia fugir a literatura. Mas o que esse quadrinho tem de novo é a
personagem e a visão que esta dá aos fatos. Primeiro, ela não deixa de contar
de sua vida, infância, adolescência, descoberta sexual e amorosa, conflitos
familiares, padrões de beleza que são extras, porém também incorporados ao
sistema governamental que ela tanto critica. Gostei dessa visão tão humana, tão
próxima de nós a um assunto, para os brasileiros, ainda tão distante. Marj não
deixa que as guerras separatistas, as bombas e o fundamentalismo ofusquem seus
dramas internos e comuns a qualquer garota. Eles apenas se misturam,
intensificando seus problemas.
E aí entra o segundo ponto interessante do livro, muitos
dos problemas pelos quais a personagem passa são causados por ela mesma. Ela
não é a vítima martirizada, total. Ela é uma garota que comete erros ao tentar
se descobrir. E paga pelas consequências deles. Chega daquele maniqueísmo tão
comum dos livros que retratam cenas de grande opressão, como o Holocausto,
Revolução Russa ou Cubana, Ditaduras no geral. Temos uma visão sim de alguém
oprimido, mas que não é mártir, apenas uma pessoa normal.
Porém aí preciso fazer uma crítica. Marj é normal, mas
nem tanto. Ela é bisneta do antigo imperador. Seu pai é engenheiro. Eles têm
dinheiro. E só por isso ela conseguiu sobreviver, ir morar em Viena quando a
opressão ficou pesada demais, não foi presa e torturada diversas vezes. E nada
disso foi abordado no livro. Soou um tanto hipócrita sua opressão, seus gritos
contra o fundamentalismo e sua falta de medo perante os ditadores porque esta sempre
tinha um meio de fuga. Pais que pagavam para tirá-la do país, pais que pagavam
para tirá-la da cadeia. Pais que pagavam a maconha que ela fumava para se
desligar dos problemas pessoais por que passava em Viena (!). Confesso que isso
me incomodou. Mas acho que essa é uma das poucas visões oprimidas a que teremos
acesso, porque os reais sucumbidos nunca conseguirão se exprimir, por falta de
oportunidades, que a Marj teve.
Adorei o fato das ilustrações serem em preto e branco,
quase que refletindo a incapacidade de Marj se encontrar e se achar no mundo.
Ela não sabia que profissão seguir, o que estudar, como fazer amigos, acreditar
ou não na mídia, como amar. Nem mesmo ela conseguia entender quem era: uma
iraniana em Viena, ou a ocidentalizada no Irã. Tudo era confuso, sem cores,
amargo. Gostei também dos traços simplistas, não reprimindo, portanto, a
criatividade do leitor de preencher os espações e descrições latentes que não
eram amplamente representadas nos quadrinhos.
No geral, gostei muito do livro. Mas ainda prefiro o
olhar de “Maus”, por exemplo, muito
mais pesado, cruel, sobre perseguições ou catástrofes. Ou o olhar da trilogia “Princesa” sobre a perseguição
religiosa sobre a mulher, que também é contata por alguém da elite, mas que se
dá ao luxo de analisar com muita humildade esse aspecto.
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