Devia
ter ficado “O Pássaro Mecânico”
O livro é raso para um adulto, mas na medida certa de
profundidade psicológica, fantasia e descrições para uma criança - público alvo
do romance.
O enredo trabalha desde o início com um conflito familiar
cada vez mais normal em nossa sociedade: pais despreparados para terem filhos,
que só cumprem a função social de tê-los e depois o abandonam aos empregados da
casa ou à escola para criá-los. Os textos de Geraldo Tite Simões sobre o
trânsito, o tigre e o menino, que analisa o comportamento social das nossas
famílias e da nossa formação moral a partir do nhac que o menino levou do tigre
no zoo de Cascavel; ou o vídeo do “Porta dos Fundos” dessas últimas semanas,
sobre o filho de cinco anos estar dopado de tudo quando é remédio popular hoje
entre os psiquiatras, liderando uma gangue sequestradora no colégio, enquanto
os pais culpam a escola pelas atitudes da crianças, são pequenos exemplos do
quanto precisamos discutir essa problema.
“Voos e sinos e misteriosos destinos” trata justamente
teste tema, graças a Deus. Acompanhamos a narrativa do ponto de vista da
criança, o pequeno Jack, que, apesar de jovem, já tem total consciência se seu
abandono, o que frustra o leitor, que sofre com o menino.
Mas para que a narrativa não se tornasse pesada demais, a
autora inseriu esta temática dentro de um mundo paralelo ao da nossa Londres do
século XIX durante sua Segunda Revolução Industrial. A cidade para onde o
menino é transportado é mágica, o que camufla um pouco a discussão, mas na
medida certa, e acrescenta nova crítica: os efeitos da poluição e mecanização
sobre as pessoas: robôs substituem filhos, e máquinas substituem órgãos
danificados pelos ares não mais respiráveis.
Nesse novo mundo, Jack tentará substituir sua mãe por uma
rainha um tanto peculiar, mas para isso terá que abandonar seus amigos que ali
criou – a família que já havia conquistado, mas que não soube ver – e disputar
seu lugar de filho com o vilão da história.
Nesse contexto
de máquinas, enforcamentos, venenos e traições, Jack aprenderá a distinguir os
amigos de verdade, a definição de família e também a sentir falta de seus pais.
Jack passa a entendê-los, um pouco, o suficiente para querer voltar e para
assumir seu papel de herdeiro de uma grande fortuna, mas agora com a
consciência de que a mudança em relação à sociedade e à família deve partir
dele. Toda essa esperança de melhora é personificada pelo Pássaro Mecânico -
título original do manuscrito do livro e que deveria ter sido mantido pela
autora –, um misto de lenda e salvação, que trará mais mistérios para a
história.
Outro
livro com total predisposição para virar filme ou animação. E também outro a
ser trabalhado nas aulas de história, para discutir uma revolução
massificadora, industrial e fria, que nos torna cada vez mais produtos dela do
que seus criadores.
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