Felicidade incerta
DIA 3
Sabe quando você termina um livro, um
filme, e não sabe exatamente o que ele fez com você? Sensação estranha essa que
tenho de não saber explicar nem o que senti ao ler o livro nem definir sobre o
que realmente ele fala. Sinto que essa resenha será confusa...
“Na escuridão, amanhã” é um mini
romance com uma estrutura muito interessante MESMO. A narrativa é feita em
primeira pessoa, mas que é interrompida a todo momento por cartas do irmão do
narrador, que são enviadas ao pai de ambos. Tanto as cartas, quanto a narração
principal, tentam retratar a história de uma família que saiu do ambiente rural
e foi morar em uma cidade. Mas aquilo que prende e perturba o leitor é a
descoberta, aos poucos, cada vez mais evidente pelos detalhes que se acumulam, do
motivo que causou essa mudança. Após entender do que se tratava, é repugnante
pensar que trocar de ambiente foi a solução encontrada pelo pai para esconder
seu ato: em um ambiente pequeno, onde todos se conhecem, seu crime viria à tona;
já na cidade grande, ele poderia continuar repetindo-o.
A maestria do livro recai sobre a
falta de detalhes sobre o crime em si e sobre o destino de cada uma das
personagens. Há uma guerra falsa? Será loucura? Haverá um assassinato? Foi suicídio?
Casamento arranjado? Ele é gay? Aaaaaaaaaaaaa! Que nervoso! Mas isso acaba não
importando... As sugestões são suficientes frente à riqueza de detalhes e
descrições sobre a vida dessa família malfadada: as relações entre os membros,
as brincadeiras cotidianas, o silêncio, a mesa posta, a cadeira vaga, os sons
do sexo, o carinho da avó, a maldição da outra. Tem-se a sensação no final de
ter conhecido essa família de perto, mesmo sem lhes conhecer o rosto ou os
nomes. Na verdade, a falta de nomes e a referência entre eles apenas como “a vó”,
“o pai”, “o irmão” nos traz uma maior intimidade do que se eles fossem
realmente nomeados, pois dentro de uma família palpável, estável ou não,
ninguém se chama pelo nome.
A linguagem é outro tópico
importante. Ela é inteira agressiva, cheia de ódio, mágoa, violência,
sensualismo e religião. O caos intrínseco às personagens e às relações
familiares transborda nas palavras, que causa pena, que causa tristeza, mas,
sobretudo, beleza. Fiquei assustada com a capacidade do autor de incluir poesia
no meio de uma narrativa violenta. De tão bonito chega a ser repugnante. Me senti
mal por gostar do lirismo escolhido para retratar o assunto.
No final do livro, a capa
finalmente fez sentido: as três camas, para as três crianças. A epígrafe inicial
se tornou mais cálida, mais sólida, mais dolorida. E a diagramação fez-se
esplêndida: quando a discussão é sobre a solidão, a pobreza, o abandono, as
páginas são mais de 50% em branco, com poucas linhas permeando o espaço vazio,
trazendo angústia aos olhos, assim como as letras trazem ao coração; quando a
cidade grande é descrita, quando os absurdos familiares se escondem na
normalidade dos carros passando, a página se enche e preenche o leitor com um
pouco de paz ao se fazer usual à vista.
Livro lindo. Forte. Dolorido. Mas
que estranhamente me fez feliz por conhecê-lo.
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