segunda-feira, 28 de julho de 2014


Flertando com Octávio Paz
DIA 7
E então eu li o “Fim”, justamente no fim da minha semana dos “sete dias felizes” e acabei simplesmente feliz. Clichê, né? Mas que disse que a vida sempre surpreende?
            O título dele faz jus a seu conteúdo, pois acompanhamos a vida de cinco amigos, todos moradores do Rio de Janeiro e exímios frequentadores das praias e noitadas da cidade, narrando apenas seus últimos momentos, ou seja, culminando nas suas cinco patéticas mortes. Patéticas não porque foram ruins, muito pelo contrário, mas porque cada um teve exatamente aquilo que mereceu. Achei justo. Por isso o livro me fez pensar muito em Octávio Paz, pois em um de seus ensaios, chamado “Todos os santos, dia de finados”, o crítico alega que não há coisa pior para o ser humano do que ter uma morte não compatível com o estilo de vida que a pessoa levou, como um super-herói morrer de gripe, ou um pai de família, honesto, morrer atropelado por um bêbado delinquente. A teoria do escritor foi muito bem utilizada por Fernanda Torres, pois cada um dos cinco amigos terminou de maneira previsível, ou pelo menos devida.
            Obviamente não é só da morte que o livro trata, mas das atitudes anteriores das personagens que as levaram para tal. Sabemos como se conheceram, com quem se casaram, alguma coisa sobre suas famílias, e muito sobre suas vidas sexuais. Os casamentos são abordados na sua maior amplitude possível, desde aquilo que se passa entre quatro paredes, até o pedido, o que comem, quem acorda primeiro, e quem odeia mais seu parceiro. Não há idealização, há apenas a visão crua do desgaste que um relacionamento de muitos anos pode causar em ambas as partes e nas pessoas envolvidas. O livro é uma análise social principalmente sobre a família brasileira constituída na década de 60/70, regada a dramas, romantismo, drogas, sexo e os anseios intrínsecos ao ser humano.
            Fiquei muito empolgada com a escrita leva de Fernanda Torres, que nos leva sem resistência à boca das personagens, pois aos cinco amigos é dado o poder de narrar em primeira pessoa suas principais memórias e o momento de suas mortes. Cada um tem seus jargões, sua velocidade e seu carisma diferente. Aos que estão ao seu redor cabe apenas a onisciência de um narrador em terceira pessoa, mas que narram, de seu próprio modo, as mesmas cenas escolhidas pelos protagonistas, dando outra visão muitas vezes sobre elas. É simplesmente incrível ver como um mesmo ato pode ser tão ambiguamente interpretado. É lindo.
            Se os personagens não fossem tão tristes e alguns tão cruéis, esse livro daria, facilmente, uma peça de teatro, regada a muita risada, ação, drama, cenas risíveis e muitas conversas de bar tipicamente masculinas. Adoraria assistir a uma peça dessas, fica a dica!
Gargalhei, quis chorar, quis socar a cara de alguns deles, vibrei com a morte de outros, mas também tive pena, ao mesmo tempo que compreendi, e odiei. Livro para todos os momentos. Para maiores de 16 anos.

Fernanda Torres, escreva mais, por favor.
Escrito por Unknown Data: 7/28/2014 09:13:00 PM 2 comentários LEIA TODO O TEXTO!

domingo, 27 de julho de 2014

Teoria do Caos

DIA 6
Como saber o quanto pequenos atos e decisões de nossa juventude poderão influenciar no destino de uma vida inteira? Como julgar a capacidade de nossos ídolos em nos guiar, quase como exemplos vivos, às vezes até mais importantes em nossa opinião do que nossos pais? O que escolher entre ter uma doença física ou uma psicológica em mesmo nível de complexidade? Qual escolha em sua vida fez de você o que realmente é? O quanto de sofrimento vale a pena em prol de ter conhecimento sobre a vida? Quando a ignorância é uma benção?
Essas são algumas das poucas perguntas que Michel Laub nos deixa em “A maçã envenenada”, livro lançado em 2013, pela Companhia das Letras, editora de todos os romances do escritor.
Esse é o típico livro para se ler em um dia, pois, depois de avançar até certa página, é impossível se desprender das dúvidas e problemas do nosso protagonista, que vive, respira e faz escolhas como uma pessoa corriqueira, como aquela se você encontra na esquina do trabalho, no ponto de ônibus, no quarto ao lado, ou na cozinha a preparar o seu café.
O livro é vivo, não apenas pelos temas demasiado humanos que são abordados, mas pela estrutura narrativa usada pelo escritor. O enredo é entrecortado, contado simultaneamente em diversos planos temporais. Acompanhamos em um capítulo nosso narrador no presente, em 2013; no capítulo seguinte, voltamos para a formação da sua banda e todo o processo espiritual e financeiro que levou a isso na década de 70; logo em seguida temos prenúncios de um show famoso que ocorreu no Brasil a que o protagonista não compareceu, mas sobre o qual sabe tudo; daí voamos para Ruanda para conhcermos o massacre étnico pós-independência; e depois para um acidente de carro que definiu a vida do personagem; então uma viagem a Londres; para voltarmos à carreira de jornalista do narrador. A ordem dos fatos é de início uma confusão, pois muitos atos, de diversas pessoas, se diferentes, poderiam ter mudado completamente a vida do protagonista. Esses mesmos atos, quando contados, puxam os seguintes, não por cronologia, mas por semelhança em tema, em sentimento desencadeado, ou por cenário escolhido. A história pulsa aos olhos do leitor. Mostrando como o caos pode disseminar a ordem, mesmo que esta demore a fazer sentido aos olhos limitados do ser humano que só consegue ver o seu presente.
Só nas últimas vinte páginas do livro tudo parece se ligar, para resolver a cronologia dos eventos, mas não para solucionar as questões propostas pelo livro. Principalmente por ele todo ser dualista e propor a cada página uma dúvida ao leitor. Temos, por exemplo, dois ídolos que exercem influências distintas na sociedade, pois defendem pontos de vista sobre a vida muito diferentes: Kurt Cobain, o suicida vocalista do Nirvana, atualização romântica de Werther convertida ao rock – ídolo do jovem narrador e de sua namorada -, e uma escritora de Ruanda, sobrevivente ao massacre em seu país – novo ídolo do protagonista, agora adulto. Ou quando temos que enfrentar deficiências das personagens: um física, outro psicológica. Ou mesmo quando nos remetemos ao título, “A maçã envenenada”, mito bíblico que pressupõe o sofrimento e a penalidade para se obter conhecimento; tema central do romance que mostra como de um lado temos o entendimento dos fatos e o amadurecimento, ambos atrelado à dor e à perda, e do outro a ignorância, mas banhada de felicidade.

Escolhas difíceis essas, que vão se propondo aos olhos do leitor pouco a pouco, da mesma maneira engenhosa em que acontece com outro livro de Laub, “Segundo Tempo”. Temos, portanto, que essa eficiência em narrar de maneira lúdica e a abordagem de temas tão necessários aos homens são de fato um talento do escritor.
Escrito por Unknown Data: 7/27/2014 05:16:00 PM 2 comentários LEIA TODO O TEXTO!
A mágica de fazer poesia em prosa

DIA 5
E achei, graças às forças divinas, mais um livro que me lavou a alma. Pretendia ler “A desumanização” em um único dia, por não ter mais que 200 páginas, mas foi impossível devido à complexidade das imagens e das propostas criativas do escritor. Senti que a cada dez ou quinze páginas eu era obrigada a interromper a leitura para sentar na cama e pensar. E pensar. E pensar.
É bonito ver como alguns conseguem adivinhar no mundo aquilo que é universal, aquilo que toca qualquer ser humano independente de suas vivências únicas. Não importa que o enredo se passe num vilarejo extremamente frio de pescadores e criadores de ovelhas. Pouco se lembra de que é uma menina, de dez anos, que narra a história. As palavras de Valter Hugo Mãe transcendem. A obra é completa. Suas descrições são palpáveis como se o livro fosse ilustrado. A trilha sonora composta pelo mar, pelos pensamentos de Halla e pelo órgão que finalmente volta a tocar na aldeia são quase que ofuscadas pela musicalidade constante do que se construiu prosa, mas que esconde poesia. Há tema, forma, enredo de uma maestria que só constroem beleza.
Perder uma irmã gêmea com quem se tinha mais do que afinidade, mas conexão física e espiritual, já é assunto suficiente para interessar o leitor, ao acompanhar os pequenos detalhes, simbologias e conversas que as garotas trocavam. Mas mais forte ainda é ver como a violência da natureza em nos tirar o que temos de mais precioso no mundo faz crescer – não sei ao certo ainda se poderia usar o termo “desenvolver” – mais rápido e com mais força o intelecto e o físico de uma jovem que, só quando ela nos lembra ter apenas 10, 11, 12, 13 anos, nos faz vê-la como tal, pois suas falas são fortes, sua coragem é muita e seu modo de ver o mundo é único.
Acho que desde Lispector, Coetzee, Garcia Márquez e Tony Morrison não me sentia tão leve assim. E tão triste assim.

São imagens como a criança-bonsai enfiando o mindinho na terra para se conectar com a irmã plantada, as ovelhas-nuvens descendo a colina para procurar abrigo, e a menstruação como sangue triste do fado das mulheres, que me dão vontade de reler o livro, ao mesmo tempo que nunca mais quero lê-lo, para não macular aquilo que o amor à primeira vista construiu de perfeito.
Escrito por Unknown Data: 7/27/2014 05:12:00 PM 11 comentários LEIA TODO O TEXTO!

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Fale mais sobre você...

DIA 4
Bom, com esse livro oficialmente furei meu desafio dos “Sete dias felizes”. Achei que pela extensão conseguiria dar conta dele em um dia, mas errei no gênero. Levei dois dias para encarar essa pequeneza, pois a repetição dos assuntos e da forma não me atraiu, nem me prendeu; mas definitivamente me ensinou.
Este livro é uma coletânea de entrevistas feitas com Vinicius de Moraes, meu poeta e músico favorito. Há algumas inéditas, outras já bem famosas; conversas gravadas em áudio, outras em televisão; entrevistas para revistas e para arquivos de museus.
Há um pouco de tudo aqui, mas também há muito do mesmo. Nem pela falta de criatividade dos entrevistadores, mas pelas conversas selecionadas pelos editores: todas elas são de uma mesma década (1970...), ou seja, que abordam um mesmo momento da vida do poeta, então as perguntas e respostas tendem a ser as mesmas. Entretanto, este curto período de tempo já foi o suficiente para Vininha se separar e recasar. Oh vida boêmia...!
Neste livro ouve-se muito sobre suas parcerias, sobre sua música, sobre o início de sua carreira poética, pessoas influentes na sua vida, seus achismos sobre a arte e pouco sobre o homem Vinícius de Moraes; a conversa é sobretudo profissional – a não ser pela entrevista guiada por uma de suas esposas, e outra por Clarice Lispector, que esbanja lirismo e beleza.
Entretanto há muita verdade aqui, mas verdades mutáveis, pois já ouvi entrevistas em que ele se contradisse, por se referirem a outro tempo de sua vida.
Me senti ignorante certas horas pela quantidade de gente influente que ele citou, mas também me incomodei com a necessidade dele de se dizer próximo e amigo de todos os maiores literatos do Brasil e do mundo... não sei se foi falta de modéstia dele ou de inteligência minha.
Me desencantei também com algumas afirmações de Vinicius sobre a literatura, sobre sua incapacidade de ler mais de duas páginas de um romance, pois achava que nada era bom o suficiente para interessá-lo; me irritei com sua descrença em algumas partes da cultura brasileira, pois acho medíocre um poeta que só lê um gênero e que não defende nada mais do que aquilo que faz. Sempre soube que dele tudo viria da emoção, da paixão, mesmo quando usadas para denigrir algo, por isso o admiro ainda, por falar, seja o que for, pelo coração, o qual nunca pode mentir. E sinceridade a gente sempre deve respeitar.

Meu eterno amor continua, pois seus acertos foram estupidamente maiores que seus erros.
Escrito por Unknown Data: 7/21/2014 10:38:00 PM Comente! LEIA TODO O TEXTO!

domingo, 20 de julho de 2014

Felicidade incerta

DIA 3

Sabe quando você termina um livro, um filme, e não sabe exatamente o que ele fez com você? Sensação estranha essa que tenho de não saber explicar nem o que senti ao ler o livro nem definir sobre o que realmente ele fala. Sinto que essa resenha será confusa...
               “Na escuridão, amanhã” é um mini romance com uma estrutura muito interessante MESMO. A narrativa é feita em primeira pessoa, mas que é interrompida a todo momento por cartas do irmão do narrador, que são enviadas ao pai de ambos. Tanto as cartas, quanto a narração principal, tentam retratar a história de uma família que saiu do ambiente rural e foi morar em uma cidade. Mas aquilo que prende e perturba o leitor é a descoberta, aos poucos, cada vez mais evidente pelos detalhes que se acumulam, do motivo que causou essa mudança. Após entender do que se tratava, é repugnante pensar que trocar de ambiente foi a solução encontrada pelo pai para esconder seu ato: em um ambiente pequeno, onde todos se conhecem, seu crime viria à tona; já na cidade grande, ele poderia continuar repetindo-o.
               A maestria do livro recai sobre a falta de detalhes sobre o crime em si e sobre o destino de cada uma das personagens. Há uma guerra falsa? Será loucura? Haverá um assassinato? Foi suicídio? Casamento arranjado? Ele é gay? Aaaaaaaaaaaaa! Que nervoso! Mas isso acaba não importando... As sugestões são suficientes frente à riqueza de detalhes e descrições sobre a vida dessa família malfadada: as relações entre os membros, as brincadeiras cotidianas, o silêncio, a mesa posta, a cadeira vaga, os sons do sexo, o carinho da avó, a maldição da outra. Tem-se a sensação no final de ter conhecido essa família de perto, mesmo sem lhes conhecer o rosto ou os nomes. Na verdade, a falta de nomes e a referência entre eles apenas como “a vó”, “o pai”, “o irmão” nos traz uma maior intimidade do que se eles fossem realmente nomeados, pois dentro de uma família palpável, estável ou não, ninguém se chama pelo nome.
               A linguagem é outro tópico importante. Ela é inteira agressiva, cheia de ódio, mágoa, violência, sensualismo e religião. O caos intrínseco às personagens e às relações familiares transborda nas palavras, que causa pena, que causa tristeza, mas, sobretudo, beleza. Fiquei assustada com a capacidade do autor de incluir poesia no meio de uma narrativa violenta. De tão bonito chega a ser repugnante. Me senti mal por gostar do lirismo escolhido para retratar o assunto.
               No final do livro, a capa finalmente fez sentido: as três camas, para as três crianças. A epígrafe inicial se tornou mais cálida, mais sólida, mais dolorida. E a diagramação fez-se esplêndida: quando a discussão é sobre a solidão, a pobreza, o abandono, as páginas são mais de 50% em branco, com poucas linhas permeando o espaço vazio, trazendo angústia aos olhos, assim como as letras trazem ao coração; quando a cidade grande é descrita, quando os absurdos familiares se escondem na normalidade dos carros passando, a página se enche e preenche o leitor com um pouco de paz ao se fazer usual à vista.

               Livro lindo. Forte. Dolorido. Mas que estranhamente me fez feliz por conhecê-lo.
Escrito por Unknown Data: 7/20/2014 12:27:00 PM Comente! LEIA TODO O TEXTO!

sábado, 19 de julho de 2014

“Somos feitos do mesmo material dos filmes”

         Dia 2 
    
    O romance-quase-conto de Letelier, “A contadora de filmes”, é pretencioso em suas poucas palavras, mas que deixa um gostinho de missão não plenamente cumprida. O tema é ótimo, os fatos esplêndidos, as cenas são lindas, mas a forma não é coerente. Sensação de um livro/filme/vida que poderia ter sido muito, mas não foi – parafraseando Bandeira.
            A nossa narradora é uma contadora de histórias, precisamente de filmes, e é aclamada na cidade por sua grande capacidade para tal; mas parece que, ao narrar sua própria vida ao leitor, não o faz plenamente bem, pois pouco tem de emoção, não há descrição de gestos, não há cores, rostos, efeitos sonoros, nem palavras o suficiente. A história em essência está toda lá, mas os detalhes pelos quais ela era tão famosa foram suprimidos, ou seja, o conteúdo se sobrepõe à forma em larga escala, o que nunca é bom.
            Fiquei triste com alguns abandonos por parte no autor, por exemplo, o pai da protagonista é supersticioso em relação à letra eme, nomeando todos os seus filhos assim, escolhendo atores favoritos assim etc. O pai diz que a letra dá sorte, mas a menina teima com ele e escolhe um nome artístico que não começa, não termina, nem possui um único eme; ou seja, ela estaria fadada à ruína de acordo com as crenças do pai – o que realmente acontece (ou não?!...) – mas seus irmãos, que assumem os nomes dados pelo pai, também terminam da mesma maneira, ou seja, não há razão alguma para este dado na história, tornou-se algo irrelevante e aleatório.
            Entretanto há partes inteligentes ao extremo por parte do autor, ao confundir, por exemplo, a história da protagonista com a história da sua mãe, de maneira cruel devido a seus destinos. Ou ainda, por propor que a vida é feita de sonhos, ou pelo menos da busca por eles; e os filmes, não são nada mais que a tentativa de materializar esses mesmo sonhos; ou seja, o que é filme e o que é vida se misturam. Portanto havemos de desconfiar da narradora, abandonada, louca, numa cidade fantasma, com gigantesca carga de filmes contados e pouca oportunidade de ser algo a mais do que eles. Não se sabe mais o que os filmes lhe trouxeram de bom, de ruim, ou que se misturou ao que ela era.
É inegável a beleza do final, da imagem construída e, finalmente, descrita aos detalhes pelo autor. Mas que se ofusca frente a tantas questões que poderiam ter sido abordadas amplamente e não o foram, como o papel da mulher na sociedade, as mudanças trazidas pelo advento da televisão, o abuso trabalhista, a pobreza chilena, a ditadura violenta, a prostituição e o alcoolismo domésticos.

De todo o livro, minha maior mágoa foi não ter podido conhecer melhor uma das personagens, o irmão mais velho da narradora: Mariano. Menino que fica gago após a partida da mãe, carregando sempre sua deficiência como marca da saudade, assim como o pai que bebe pela traição e pela inutilidade sexual - que causou a traição. Mariano, deixado à margem da competição pelo título de contador de histórias, por motivos óbvios, só se faz homem ao vingar a honra da irmã – ou será da mãe? Perde a gagueira, mas anos depois vai preso e continua preso por cometer outros atos cada vez mais violentos. Do abandono nasce um psicopata, assim como nasceu um bêbado, um jogador de futebol falido, um desaparecido, um atropelado e uma contadora de histórias.
Escrito por Unknown Data: 7/19/2014 12:01:00 AM Comente! LEIA TODO O TEXTO!

sexta-feira, 18 de julho de 2014

“A arte de viver da fé / Só não se sabe fé em quê”

            DIA 1

A obra de Vanessa Barbara, “O livro amarelo do terminal”, é estonteante. Foi a minha maior delicinha das férias até então. O livro se baseia numa pesquisa feita pela autora, no terminal Tietê em São Paulo, para um trabalho de conclusão de curso, durante o ano de 2003 – mas que poderia ter sido feito hoje, numa sexta-feira modorrenta, de quase chuva, de julho de 2014, já que os fatos narrados, as personagens apresentadas e as críticas feitas continuam as mesmas, teríamos apenas que trocar o nome do governador e de alguns passageiros de José pra João.
Ela aborda cenas incríveis, narradas sem começo nem final, em fragmentos verossímeis, já que representam um vislumbre, um olhar rápido, que se tem daquilo que acontece ao seu redor. A impressão que ela nos dá era de ser uma transeunte, que passava pelos corredores da rodoviária observando tudo à sua volta e narrando quase tudo ao mesmo tempo. Portanto há cenas que começam com um filho perdido, esperando a mãe vir buscá-lo, cortada por um trecho de livro que a autora conseguiu ver por cima dos ombros de alguém que estava lendo sentado, seccionada novamente por uma briga de casal, interrompida mais uma vez por uma mãe checando se a fralda do filho está suja. É sensacional, porque quem já pisou nesse terminal sabe que não tem como ser diferente, é o público e o privado convivendo como numa trincheira de guerra; e a linguagem jornalística, misturada já a uma estética literária eficaz tornam a leitura mais que agradável.
A jornalista conseguiu conversar com o pessoal da limpeza, com as moças das cabines de informação, com os responsáveis pelos banheiros e entrega de toalhas, com os locutores de avisos oficiais, com a administração, carregadores, puxadores de corda, porteiros, representantes de imprensa e vendedores ambulantes, sem contar nos inúmeros passageiros que abordou ao longo do ano de pesquisa. E o incrível é que o modo de falar de cada um foi preservado, garantindo que o leitor quase escute a voz de cada personagem. A linguagem, portando, é riquíssima, que beira o lirismo em certas horas e o tom crítico, de uma jornalista engajada, em outras. O livro é vivo, quase humano, em que as cenas saltam das suas mãos.
A diagramação do texto é original e metafórica, pois as páginas são todas amarelas, iguais a de uma lista telefônica, para dar a impressão de que tudo pode ser encontrado no terminal Tietê, assim como se encontra o que quiser nas páginas amarelas das listas. Há entre a narração, letras de músicas, trechos de livros, carimbos, formulários; ou seja, a forma do texto justifica e exemplifica seu conteúdo caótico e divertido.
Porém não é só de diversão que o texto é feito, em páginas brancas, são copiados trechos de jornais da época da construção do terminal que veiculavam as falcatruas e atrasos da obra. Os comentários da autora no meio dessas reproduções jornalísticas nos atentam a como o Brasil simplesmente não muda: o dinheiro continua sumindo, construções faraônicas só dão trabalho e nenhum resultado, nossos políticos continuam se utilizando dessas obras para ganhar votos e o povo se deslumbra só com a beleza, mesmo com a baixa funcionalidade do sistema. Um exemplo lindo disso é o trecho do terminal de embarque, que é dividido em três espaços: 1. o vip, com ar condicionado, engraxate elétrico, chocolate quente e cadeiras acolchoadas; 2. o comum, da classe média que se contenta em ficar de pé ao esperar os ônibus, pois pelo menos está protegida do barulho e da fumaça por paredes de vidro; 3. o embarque em direção ao Nordeste, que fica dentro da área de desembarque (????), sem proteção, cadeiras, muito menos chocolate quente. É a divisão social brasileira dentro do terminal.
Em outros momentos, ao mesmo tempo pessoais e genéricos, a burocracia brasileira se desnuda, principalmente no que compete à imprensa. Acompanhamos a dificuldade que a narradora passou para conseguir informações que LEGALMENTE são de livre acesso ao público – Vanessa faz, ironicamente, da lei o título para esse capítulo -; vemos a manipulação de repórteres, que só podem ter acesso a trabalhadores previamente treinados a “passar as informações corretas”, mentiras deslavadas que protegem apenas a empresa privada que gerencia esse órgão público e não os funcionários em si. Mas ao mesmo tempo que a chefe da equipe de imprensa do terminal diz isso de maneira arrogante à Vanessa, a jornalista já havia transitado livremente pela rodoviária por seis meses, sem que ninguém tivesse tomado conhecimento de sua pesquisa, desnudando o paradoxo do sistema que se constrói rígido, mas que rui aos nossos olhos em brechas enormes e profundas.

Talvez o amarelo desse livro seja um sinal de atenção ao brasileiro, já que o terminal exemplifica muito bem nossa diversidade, atraso, ganância, pobreza e fé. Fé por ter alguém te esperando ao desembarcar, ou em conseguir juntar durante o ano o dinheiro necessário pra se voltar pra casa. Fé em um dia não precisar mais viajar. Fé em deixar de ser locutor de notícias do Tietê para virar cantor de bingo domingueiro. Fé em ver o Brasil melhorar e ter dinheiro e tecnologia, usando-os finalmente em favor do povo.
Escrito por Unknown Data: 7/18/2014 12:07:00 PM Comente! LEIA TODO O TEXTO!

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Desafio Literário

   Bom, aproveitando que estou de férias, decidi ler o máximo que pudesse, para diminuir minha longa lista de livros a ler, que já foram comprados e que estão aqui em casa me encarando e me pressionando cada dia mais. Somei o tempo livre e o desespero a uma compra maluca de muitos livros que fiz por conta de promoções de aniversário da Cosac Naify e de queima de estoque de uma livraria aqui da minha cidade. Sem contar os milhares de livros que ganhei do meu noivo de presente de aniversário adiantado. Então me impus um desafio: passar sete dias felizes, lendo sete livros desejados, um por dia.
   Obviamente escolhi sete livro curtos - o maior deve ter 250 páginas, mas com uma diagramação facilitadora. Aqui vão eles:
1. "O livro amarelo do terminal" - Vanessa Barbara
2. "A contadora de filmes" - Hernán Rivera Letelier
3. "Na escuridão, amanhã" - Rogério Pereira
4. "Vinícius de Moraes - Encontros"
5. "A maçã envenenada" - Michel Laub
6. "A desumanização" - Valter Hugo Mãe
7. "Fim" - Fernanda Torres
   Pretendo fazer ara cada livro uma resenha escrita, mesmo que curta, e um vídeo no canal.
   Começo o desafio hoje. Torçam por mim.
Escrito por Unknown Data: 7/16/2014 11:30:00 AM 3 comentários LEIA TODO O TEXTO!
Uma coisa chamada “criatividade”

O livro “Cidade dos Ossos” é o primeiro volume de uma saga enorme, que ainda não acabou de ser lançada, chamada “Os instrumentos mortais”. Neste romance, somos apresentados a um mundo fantástico e a personagens nem tão fantásticas assim.
Primeiro, descobre-se no livro que o nosso mundo é, na verdade, habitado também por criaturas descendentes dos demônios – vampiros, lobisomens e afins - e por seres escolhidos e privilegiados pelos anjos – os Caçadores de Sombras -, e ambos disputam esse nosso universo e nossas vidas mundanas num grande cabo de guerra. Como todo esse mundo é novo para o leitor e para a protagonista, espera-se que ele seja explicado aos detalhes e com muita paciência já que não temos a obrigação de compreendê-lo previamente. Mas as descrições e narrativas que deveriam desnudar esse universo para nós parecem feitas com pressa, como se a escritora, único ser no planeta que conhece essa história aos detalhes, estivesse de saco cheio de falar sobre o assunto que só pra ela é óbvio. Muitas regras não são explicadas com clareza, informações ficam implícitas, ou só são ditas quando você já está confuso, sem entender nada há umas 20 paginas, no meio da batalha do século.
O problema da escritora não para por aí, pois os diálogos, além da narrativa, também são caóticos. Cassandra Clare não sabe ser onisciente nem fazer discurso indireto livre. Há muitas falas seguidas entre personagens diferentes e você nunca sabe quem está falando o quê, porque a autora se esquece de nos avisar. Ou o assunto do diálogo é trocado aleatoriamente, porque você não conhece nem as personagens nem o mundo deles direito, e fica se sentindo no meio de uma pintura dadaísta.
Daí temos que as personagens também não são lá aquelas coisas em termos de construção e verossimilhança. A Clary, nossa protagonista, é mais sem caráter que a Bela do “Crepúsculo”, mas não por ser malvada, mas por não ter consistência. A Bela, pelo menos, é uma songa-monga o livro todo, mas a Clary não; tem horas que ela é valente, outras um coxinha, outras ela é engraçada, outras uma boba. E sempre nas horas erradas! Há o momento para ela ser boba, mas NÃO, ela quer ser engraçada e faz a piada no meio de uma perseguição, em que 1437 vampiros estão correndo atrás dela. Ou ela podia ser fofa e meiga, mas ela resolve dar um soco na cara no mocinho aleatoriamente. OMG! E os outros não fogem muito disso não. O cara mais arrogante do mundo se torna uma borboleta de fofura porque escutou uma mentirinha mal contada pelo vilão; há um personagem gay que não traz complexidade alguma para a história: o homossexualismo não é discutido, ele não faz nada ao longo do livro todo e só a mocinha sabe que ele é gay e sei lá Deus como ela descobriu, pois a escritora – de novo – não nos deu indícios algum.
A única personagem que realmente me agradou foi o Simon, o melhor amigo da Clary, que é mundano e está feliz assim, pois não foi corrompido pela magia. Ele quebra o paradigma mitológico, pois não deixa que a fantasia decida seu destino; ele toma as rédeas da situação e luta contra profecias, mágicas e poderes especiais apenas com sua determinação e caráter. Ele nos dá certa alegria ao vermos que nós, leitores mundanos, temos sim livre arbítrio e direito de decidirmos nosso destino por nós mesmos se quisermos. Nada como fazer uma banana para a “Ilíada” e para “Os Lusíadas” e tomar posse de nossas próprias vidas.
Bom, a historinha é interessante, mas é impossível não detectar uma leve “inspiração”, da qual a escritora se valeu, em cima de "Harry Potter". Há cópias explícitas como: 1. um vilão que deseja fazer uma limpeza de sangue à lá Hitler; 2. o vilão só aceita ser chamado de Lorde; 3. há um pacto de sangue, em que, se a promessa feita for quebrada, a pessoa morre; 4. um menino se transformando em rato (sério... tem tantos bichos no mundo! Papagaios, lagartixas, hipopótamos, ácaros, tigres, minhocas, periquitos...); 5. falas inteiras e até cenas semelhantes.
Fiquei brava. Para se fazer literatura fantástica, você precisa ter uma coisa chamada criatividade, que pressupõe a não necessidade do plágio, pois só sua cabeça dá conta... E ela não pode ser a mesma que se usa para inventar histórias sensacionalistas sobre a Paris Hilton – como a escritora costumava fazer na revista estilo “Titi” em que trabalhava -, um romance com seres mágicos exige um pouco mais.

Só vou ler os outros se ganhar de presente – fica a dica! – e se a autora parar logo de escrever essa série, que toda hora ganha um livro novo; pois ela mesma falou que os personagens não são imortais, então: Chega logo no final, senão vai ficar chato que nem “Smallville”.
Escrito por Unknown Data: 7/16/2014 11:15:00 AM Comente! LEIA TODO O TEXTO!

sexta-feira, 11 de julho de 2014


O fruto nunca cai muito longe da árvore

E não é que ela conseguiu de novo? Fiquei quase dois anos enrolando para comprar este livro depois que foi lançado, pois tinha medo de me desapontar com a nova tentativa de escrita de J. K. Rowling. Só realmente fui lê-lo, porque recebi o exemplar de presente de um aluno, no amigo secreto do colégio no ano passado. E ainda assim demorei mais seis meses para tocar nele. Bom, enfim, lido. E... MEU DEUS, ESSA MULHER É BOA EM TUDO O QUE ELA FAZ. Senti uma invejinha branca nesse momento. Eu tinha certeza que Rowling me frustraria, porque, depois de escrever os sete livros que mais marcaram minha infância e juventude, seria impossível ela conquistar a maestria novamente, principalmente ao trocar de gênero. Mas ela conseguiu.
“Morte Súbita”, apesar do título, não é um thriller, nem pertence ao gênero aventura ou policial. O romance mistura uma trama política com dramas familiares comuns ao século XXI; portanto, desta mistura, só poderia sair uma coisa: infelicidade. Ninguém é contente nesse livro, nem bom. Isto de início me incomodou pela tensão constante do livro, mas foi fazendo cada vez mais sentido ao longo da leitura, enquanto a crítica social da autora ia se concretizando.
O enredo se passa todo num vilarejo, numa micro cidade, onde todos inevitavelmente se conhecem e devem, sem escapatória, conviver, mesmo não se gostando. O cotidiano das pessoas é regado sempre a muita fofoca e nenhuma das personagens parece ter a menor noção de como sua falação pode interferir – sempre negativamente – na vida dos outros moradores. O livro começa com uma morte repentina de um dos conselheiros da cidade e a trama política gira em torno de sua substituição. Mas os dramas familiares são o que realmente importa, pois vemos como uma única pessoa ou sua morte pode afetar de maneiras tão distintas e complexas a vida daqueles com quem talvez ela nem se importava.
A construção da história é genial ao passo que as personagens são apresentadas aos poucos, sem que a conexão entre elas seja claramente feita. E, involuntariamente, tentamos distinguir quem são os malvados dos mocinhos ao longo das primeiras páginas, mas isso vai se tornando cada vez mais impossível ao percebermos que todos os moradores são imperfeitos e das maneiras mais monstruosas possíveis. Há estupradores, pedófilos, drogados, depressivos, viciados em sexo, espancadores, suicidas e por aí vai. De um modo ou de outro todas as personagens nos decepcionam, mas suas ações são todas explicadas e justificadas por fatos que ora as redimem, ora as punem. Ler este livro é cruel, pois se entende um pouco da miséria humana contida nas nossas novas crises. Quando você já desistiu de procurar o protagonista, você percebe que a cidade o é, que as sociedades exemplificadas pelo vilarejo é que estão em pauta. E tudo passa a fazer sentido, principalmente quando os defeitos finalmente são escancarados e as relações reais das personagens entre si são escrachadas.
Muita violência está contida no livro, mas ela é narrada de modo apenas suficiente. Não há exagero ou descrições meticulosas, já que o contexto e o histórico da personagem suprem essa necessidade. Mas, ao mesmo tempo que a autora acerta na dose aqui das descrições, ela erra ao repetir CONSTANTEMENTE as características principais de cada personagem a cada vez que elas entram em cena. É cansativo às vezes.
Fiquei muito feliz de não me lembrar de “Harry Potter” enquanto lia o livro, mas sim de Gabriel Garcia Márquez, autor de “Crônica de uma morte anunciada”, novela incrível que relata como uma cidade inteira, de maneira ora mais ativa, ora por omissão, ajuda a assassinar uma personagem. Senti que o mesmo acontecia em “Morte Súbita”: a pobreza, o desespero, as drogas, o sexo estão infiltrados nos bairros pobres, no quarto dos filhos ricos, no aniversário do avô, na reunião do Conselho Distrital, na escola da região e na camiseta de banda que uma personagem usa, MAS NINGUÉM FAZ ABSOLUTAMENTE NADA. E por essa omissão, regada à fofoca, ganância e descaso, outras mortes ocorrem, mas não mais de maneira súbita, pois já estava óbvio aos olhos do leitor que não havia outra forma de uma sociedade como aquela acabar.
Minha vontade foi de aplicar o mito bíblico de pragas, dilúvios e afins e destruir a cidade, pois só começando de novo algo poderia ser mudado. Depois desse acesso de raiva, me assustei, pois acho que não haveria água suficiente no Planeta Água para lavar nossas injúrias, afinal, a literatura só exemplifica a sociedade real, certo?


Escrito por Unknown Data: 7/11/2014 06:22:00 PM 6 comentários LEIA TODO O TEXTO!

quinta-feira, 10 de julho de 2014

   

                      Regras para se ver "Matrix"

   Primeira regra pra se ver “Matrix”: aceitar o gênero ao qual o filme pertence: ficção científica. Todas as características necessárias a esse tipo de obra estão lá, então, se você não é dos que gostam de heróis, teorias de perseguição, muitas máquinas, efeitos especiais e exageros, esse não é o seu filme. Entretanto, se você não conhece nada do gênero, nem sabe se gosta ou não dele, “Matrix” é um filme legal para se testar. 
   Segunda, assim que for oferecida ao Neo a pílula vermelha, aceite-a com ele e não discuta com as cenas seguintes. O filme é fiel àquilo que ele propõe e vai cumprir todas as expectativas do gênero e todas as promessas feitas nas primeiras cenas através de citações: será mais louco que “Alice no País das Maravilhas” e “O Mágico de Oz” juntos. Então, não sofra. Se sua escolha for tomar a pílula azul, se estivesse no lugar do Neo, desligue a TV e vá ler um livro. 
   O filme traz cenas de lutas fantásticas, clássicas, com cenas inesquecíveis pra quem viu isso quando criança, como aquela em que a Trinity para no ar antes de chutar o policial, ou a que o Neo, depois de fazer várias poses de tigre, garça e outros animais simbólicos das artes marciais, chama o Agente pra luta com a mãozinha de maneira irreverente. Lindo. Mas bem daquele jeito estilo James Bond: ele toma socos em todos os locais, mas nem quebra um dedo; as balas acertam todos bem no meio dos olhos, mas nunca no herói; e esse tipo de “coincidência”. Mas, assim como nos filmes do agente especial, nós aceitamos toda a baboseira em prol da beleza – nem tanto artística, mas a dos mocinhos, ah Keanu Rives! Sem contar que até a frase clássica do herói inglês está em “Matrix”: - Meu nome é Bond, James Bond = Meu nome não é Sr. Anderson, é Neo. Uau. 
   Ok. As referências cinematográficas não param por aí. Naquela cena em que Neo finalmente resolve aceitar sua profecia – estilo Harry Potter – em que ele está no metrô e, em vez de fugir, luta com o Agente, os antagonistas se encaram à distância, e entre eles passam rolando folhas de jornal, trazidas pelo vento. Nada como um faroeste urbano e moderno: em vez das bolinhas de feno e poeira, temos pura sujeira e lixo metropolitano. Oh civilização! 
   E isso é que é o sensacional do filme, há sempre uma referência explícita a heróis em cada cena de ação – e olha que elas são muitas. “Matrix” quase não tem momentos de “descanso”, típicos dos filmes de ação e terror, para o expectador poder descansar dos sustos e emoções; é uma luta atrás da outra e todas cheias de piruetas e armas e golpes de artes marciais e ginástica olímpica e muito estilo nas roupas bregas de gângsters dos anos 90. 
   Depois de ser Alice, Doroty, Bond e Clint, Neo ainda relembra Jesus e o demônio NA MESMA CENA, ao morrer, ressuscitar e, logo em seguida, possuir um Agente. Fantástico! Mas, se você é um romântico e está se sentindo excluído, calma: Neo só ressuscita ao receber um beijo de amor! Tem algo mais fofo que “A Bela Adormecida”? A Disney não podia ficar de fora. Nem o Super-Homem: Neo voa! 
   Tá. Se eu não te convenci pelos efeitos especiais, referências clássicas, cenas de luta, ou beleza das personagens – naturais ou realçadas pelas calças grudadinhas de couro – ainda há espaço pra ideias inteligentes, afinal cadê a teoria da conspiração? Toda a argumentação criada pelo autor, nesse mundo lastimável que ele criou, com suas regras e sacadas, funciona muito bem. A ideia do filme é atual e impõe um questionamento muito interessante para a nossa era tecnológica: até que ponto nossa dependência em relação às máquinas é saudável? Será que nesse mundo evolutivo, as máquinas serão selecionadas pela Mãe Natureza? Será que haverá espaço para Deus num mundo em que a luz da lanterna dos celulares é que guia nosso caminho?
   Fica a dica pra pensar...
Escrito por Unknown Data: 7/10/2014 10:10:00 AM 3 comentários LEIA TODO O TEXTO!

quarta-feira, 9 de julho de 2014

      Jurassic Park II – da arte de estragar o primeiro filme

Pois então eu decido quebrar uma de minhas próprias regras. Assistir a uma sequência que não é complemento necessário do filme, como "O Senhor dos Anéis II" e "III" ou X-Man (que tende ao infinito, mas que se propõe a seguir os quadrinhos), mas sim uma tentativa babaca de Hollywood fazer dinheiro com você a custas de um único filme bom. Decidi assistir ao "Jurassic Park II".
Bom, se você não viu o "Jurassic Park" original, eu tenho pena de você. O filme é demais e um grande clássico da década de 90. Ou seja, não tem os efeitos especiais que você bem conhece dos dias de hoje, mas, com o que eles tinham em mãos naquela época, os caras fizeram mais do que o melhor. O filme tem uma história boa, trama complexa o suficiente, discussões inteligentes e personagens bem construídos com suas características únicas. Óbvio que há o pega-pega normal e exagerado dos filmes de ação, mas ainda dentro dos limites do aceitável. "Jurassic Park II" é totalmente o oposto disso.
Não. Você não precisa ter visto o filme I para entender o II. O que já conta como o primeiro absurdo da lista. Isso é uma continuação ou não? Se não, não manche o nome do primeiro filme reutilizando-o para falar de outra coisa. Afinal, não é porque um dos atores – o coadjuvante ainda - reaparece, que é continuação.
Bom, o filme fala sobre uma segunda ilha que também era usada pra criar os dinossauros e da qual ninguém sabia da existência, mesmo já tendo passado quatro anos do desastre na primeira ilha. Como? Independente disso, um grupo de pessoas, incluindo o Malcon, o coadjuvante sobrevivente, é chamado para voltar pra lá fazer uma pesquisa sobre como os dinossauros se adaptaram à ilha no século XX e vivem harmonicamente entre eles. Mas o que não se sabe é que outro grupo também é mandado para lá, só que para capturar alguns dos bichinhos, para levar para o continente, para ser montado um zoológico. Obviamente os dois grupos entrarão em conflito.
Uma menininha é quase morta por esses bichinhos já na primeira cena do filme, o que para mim soou lindo, pois achei que a continuação teria uma “pegada” mais radical ainda que o primeiro. Mas não. Enquanto a mãe grita ao ver a filha ser devorada por minidinossauros, o diretor fez o corte da cena a partir da boca escancarada da mãe com o Malcon no metrô, em frente a uma foto de uma ilha tão paradisíaca quanto à do desespero da mãe, só que bocejando de tédio. Sério, com morte de criancinhas não se brinca e o cara o fez. Aí pensei: legal, não vai ser um filme de ação, então, vai ser meio “Todo Mundo em Pânico”, satirizando o primeiro filme. Só que também não.
Malcon só vai pra ilha porque sua namorada também foi chamada para a pesquisa. Yey, pensei, será um romance. Não também. Porque, logo nas seguintes cenas, os personagens que lá estão para documentar pacificamente a vida dos dinossauros se deparam com os caçadores dos mesmos – o grupo dois –, que tratam de maneira cruel os bichinhos. E, de nerds pesquisadores, as pessoas do primeiro grupo se transformam em Rambos do Green Peace. Tem coisa mais piegas do que um filme que mistura romance, ação, ficção científica, Rambo e a galera verdinha? Avê. Só que o roteirista se esquece disso ao longo do filme, porque um dos defensores da floresta, ao decidir mascar um chiclete no meio de uma fuga de uns dos T-rex (wtf?), ele joga o papel NO CHÃO. Regra número um dos verdinhos é não jogar papel no chão. Se você nem consegue fazer isso, não tente salvar os dinossauros. Eu ri litros nesse momento.
Mas tudo bem, a vida continua e chegam as cenas de ação. E, sério, eu não sei qual é a do Spielberg com vidros. No filme I, duas crianças só sobrevivem ao ataque do T-rex por segurarem com mãos e pés o vidro do teto solar do carro, que os separava da boca do bichinho – cena clássica. No II, a mocinha é lançada em queda livre sobre uma parede de vidro de um trailer, que já havia recebido muitas pancadas de vários objetos pesados e que já estava trincada e... o vidro salva sua vida e só estoura quando uma corda chega para salvá-la. Sério. Onde esses vidros são fabricados? Quero um desses pra minha casa. Avisa logo que a construção começa mês que vem.
Fica pior, porque mais milagres acontecem. Sim, Deus está ao lado dos defensores da floresta. O único modo de a turma sair da ilha é usando uma central desativada há quatro anos para se comunicar via rádio com a galera do continente. Só que toda a selva já penetrou na central e tomou conta de tudo. Se você já alugou apartamento na praia, ou tem uma casa lá, ou se você guarda seus livros e equipamentos eletrônicos e fotográficos em locais muito úmidos, você sabe que é osso mantê-los funcionando. Seu PC novinho, que custou caro, pra continuar vivo por mais de um ano tem que ser bem tratado. Agora imagine um desses, numa ilha na Costa Rica, cercado por uma camada mar e uma de floresta tropical, por quatro anos, sem uso, com mato em cima... Qual a chance? Pro roteirista: 100%.
Absurdo 10000000237: ainda há espaço nesse filme pra machismo. Já se percebe de cara que o filme é maniqueísta: há mocinhos e bandidos bem explícitos e ninguém, digamos, normal, como nós. Além disso, não há complexidade alguma no caráter das personagens, elas são todas previsíveis e planas. Mas o machismo me surpreendeu. Um dos caçadores malvados só foi pra lá capturar um T-rex e é só nisso que ele ajuda. Todas as outras espécies? Os outros que capturem. Mas o careca só quer saber de prender um T-rex MACHO. Uma fêmea não serve pra ele. Burro. Todo mundo sabe que pra um zoológico a fêmea é mais útil por questão da procriação. Não é a toa que comprar um cachorro fêmea é mais caro que um macho. Sem contar que em muitas espécies é a fêmea que caça, portanto ela é mais forte e mais valente. Se o careca achava que ia ser considerado um melhor caçador por capturar um T-rex macho, ele merece um peteleco. Alguém tira a medalhinha de escoteiro dele.
Inverossímil. O filme tem duas horas e ninguém de importante morre ou fica ferido. Nem um pé quebrado, nem sequer uma mancadinha, nenhum bracinho devorado... nada. Que baita medo de matar os protagonistas, hein? Sinto que o roteirista poderia ter umas aulas com o George Martin, ou até com o moço do "Titanic". Poxa vida...
História vai, história vem, os mocinhos sobrevivem chegam em casa naquele famoso helicóptero do filme I, e o tal T-rex - macho - é preso e é levado de navio ao continente. Mas é óbvio que isso ia dar errado e o bichinho come toda a tripulação e sai pilotando o barco em alta velocidade. O barco bate no porto, destrói metade do deck e mata um monte de gente, estilo "Velocidade Máxima". O T-rex escapa e se dirige à cidade. Aí vira "Godzilla", só que misturado a um final que lembra muito o "Rei Leão". E eu me recuso a comentar qualquer outra coisa dessa parte.
Só pra dar uma resposta ao machismo do filme: aposto que, se fosse a T-rex fêmea a ser capturada, ela teria estacionado o navio direitinho.
Bjos
Escrito por Unknown Data: 7/09/2014 02:23:00 PM Comente! LEIA TODO O TEXTO!
       
                        Percy Jackson à la X-Man 

O orfanato da Srta. Peregrine para crianças peculiares” conta a história de Jake, nosso narrador, um menino que era um “zero à esquerda” e que, de repente, descobre que todas as histórias de terror e aventura que seu avô lhe contava quando criança eram verdadeiras. Ele, então, decide investigar as lendas desse avô e o real motivo de sua morte trágica indo até a ilha onde este fora criado. Lá Jake vai buscar o antigo orfanato para crianças fugidas da 2ª Guerra, onde seu avô cresceu e onde as supostas histórias ocorreram. Mas ele é transportado no tempo magicamente por uma fenda temporal embutida num túmulo neolítico no meio de um pântano, encontra crianças mutantes, descobre que ele também é mutante e um monte de coisas estranhas começa a acontecer. Bom, resumidamente toda a ladainha está aí.
            Fiquei frustrada, mas toda a culpa foi da diagramação do livro. Quando você lê esse título gigantesco e promissor, vê a capa com foto de criancinhas estranhas com seus rostos omitidos, lê na contracapa a indicação do TIM BURTON dizendo que ele gostaria de ter escrito essa história, e dentro das páginas amareladas do livro vê fotos autênticas e assustadoras de crianças em poses não comuns, você automaticamente pensa que se trata de um livro de terror. E eu tenho buscado ler um que realmente me assuste e cumpra a proposta há anos. Tentei uma vez ler “A Profecia” e nunca consegui sair da vigésima página, porque eu quase fazia xixi nas calças de tanto medo, portanto pensei em enfrentar outro livro arrepiante para desfazer o trauma e conseguir retornar à “Profecia”; mas nunca encontrei um terror de verdade. Fui iludida pelas promessas da editoração.
            O livro poderia ter abordado tantos vieses complexos, mas nada foi feito. Quando comecei a ler e vi que o avô contava histórias mágicas ao neto e este, ao crescer, deixou de confiar nelas, mais por orgulho do que por ceticismo, pensei que tomaríamos um rumo estilo o filme “Peixe Grande”, que brinca ao extremo da beleza e lirismo com aquilo que é verdade e com o que é apenas verossímil. Mas não teve lirismo nenhum. Aí pensei que, como o avô contava sobre monstros no orfanato em que ficou durante o Holocausto, imaginei que as aberrações seriam meras metáforas dos nazistas e entraríamos num drama histórico. Mas também não. TEM MONSTROS DE VERDADE. Então ok, comprei a ideia. Mas, quando o monstro aparece, ele foi descrito de um jeito tão... ai... sem graça que era impossível sentir medo. O bicho se resumia a um homem com uma boca estranha de onde saía uma língua tripartida e em forma de tentáculos. Sério. Só consegui pensar em “Os piratas do Caribe”, em Davy Jones, e o cara-de-polvo associado a Jack Sparrow não dá medo. Um livro com monstros tem que DESCREVER de verdade o bichinho, envolvendo o leitor.
            As cenas de perseguição e de aventura até que não são ruins, a leitura flui, tem velocidade, mas não assusta ninguém. Então se eu soubesse que era apenas mais uma saga juvenil, teria lido o livro assim e provavelmente teria gostado, porque ele tem tudo de que um “Percy Jackson” precisa. Primeiro, universo totalmente maniqueísta, não tem um único fulano estranho que nem a gente; todo mundo ou é honrado e de perfeito caráter, como os mocinhos do bem, ou feio e com intenções completamente deturpadas, como os vilões. Segundo, só há personagens planas, sem qualquer complexidade; houve vários momentos em que o autor poderia ter explorado melhor a inveja que o pai de Jake sentia da relação do filho com seu pai; ou da falta de amor e afeto que havia na casa do protagonista, tanto entre os pais, quanto entre o pai e o avô, quanto dos pais com ele; das pressões sociais: do pai ser um bobão infantiloide, enquanto era a mãe que provia a casa e não queria que o filho seguisse o caminho do pai; até do bullying escolar ele poderia ter tratado. Mas tudo foi trabalhado de maneira superficial. Terceiro, o orfanato funciona como um local de treinamento para jovens promissores e diferentes do resto do mundo, e também espaço de segurança e diversão idílica. Lá há uma diretora honesta, valente e sábia. Há alunos com todas as habilidades possíveis, mas que se assemelham mais aos quadrinhos e filmes do "X-Man" do que a Percy. Entre outros pontos que poderia levantar. Ou seja, teria dado certo como um livro de aventura juvenil.
            Mas houve coisas que não colaram mesmo. Principalmente o romancezinho entre Jake e Emma. Tudo indo muito bem, tudo sendo muito fofo, mas, espera. Ela era a namorada do avô que nunca envelheceu e que nunca se esqueceu da primeira paixão que a abandonou e que agora está de chamego com o neto. Eca. Quase um incesto. E cadê a conversa sobre isso? Cadê os conflitos pessoais de Jake ao ser usado apenas como substituto desse avô? Ele não é o mocinho? O herói nunca pode ser estepe de ninguém. Meio nojento, além de estranho. Pior: todos os moradores do orfanato têm mais de 70 anos, apesar de terem seus físicos congelados na adolescência ou infância, mas eles agem de maneira muito incoerente com toda a experiência que têm. Eles se misturam com Jake, que realmente só tem 16 anos, e não se vê a menor diferença entre eles. Tudo bem que foram tratados pela diretora como submissos a ela, mas não era para terem evoluído nem um pouquinho?
            Mas o que me irritou no final MESMO foi que não teve final. O filho se despede do pai da maneira mais incoerente do mundo, totalmente improvável para as características tanto do pai, quanto do filho. E nada é concluído. O filho se despede dizendo que pode ser que volte, pode ser que não. Nada se explica sobre a viagem no tempo que farão, não se sabe pra onde vão, o que farão, e para que século estão se dirigindo. Também não se sabe se Jake poderá sair da fenda temporal. E o que acontece com a outra diretora que é raptada? Quantos acólitos são? E quantos etéreos? Jake fica com Emma, romanticamente falando? Sabe quando acaba naquela cena, com os personagens navegando para o além, com um horizonte muito perigoso literal e metaforicamente diante deles? Pois é. Típica tentativa de o autor deixar TODAS AS MARGENS POSSÍVEIS para escrever um segundo, terceiro, septuagésimo livro. Isso é jogo de marketing. É tentativa de fazer você gastar dinheiro e tempo com ele, os quais ele não disse que exigiria de você; não é uma saga pré-definida. É o autor esperando que você o ame tanto a ponto de implorar por mais e, assim, ele misericordiosamente te dar mais. Mas cuidado. Na política, Jânio Quadros tentou fazer isso também...
Nem todo mundo é J. K. Rolling.
Escrito por Unknown Data: 7/09/2014 01:46:00 PM Comente! LEIA TODO O TEXTO!
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